terça-feira, 28 de abril de 2009

O Mal de D. Quixote - Romantismo e filosofia da história na obra de Raul Pompéia. São Paulo: Editora da Unesp, 2008.




PREFÁCIO de EDUARDO F. COUTINHO – texto apresentado durante a banca de avaliação da tese:

Movida pelo sucesso de O Ateneu, que teve grande repercussão desde a época de sua publicação, passando a integrar de imediato o cânone da literatura brasileira, a crítica dedicou-se desde então, com afinco e entusiasmo, ao estudo dessa obra, deixando quase ao abandono o restante da produção de Pompéia que, embora não menos valiosa, manteve-se pouco conhecida do público e à margem do interesse de editores. Com a publicação em 10 volumes entre 1981 e 1991 das Obras, de Raul Pompéia, compiladas e organizadas por Afrânio Coutinho, a situação de injustiça que cercava o trabalho do autor começou a ser corrigida, tornando-se o conjunto de sua obra acessível ao público em geral, e passando esta também a despertar o interesse da crítica. O trabalho de Marciano Lopes e Silva constitui neste sentido um marco, uma vez que tem por objetivo estudar a obra de Pompéia, buscando compreendê-la em seu conjunto, e serve-se justamente como corpus de contos, poemas em prosa (em especial as Canções sem metro) e alguns textos teórico-críticos do autor sobre literatura e artes. Partindo de uma ampla pesquisa, a que não falta boa dose de erudição, o autor constrói um diálogo extremamente rico e instigante com esses textos menos explorados de Pompéia, buscando identificar, como ele mesmo afirma, os valores cognitivos e éticos que orientam sua criação artística e lhe conferem organicidade. Além disso, procede a uma leitura da fortuna crítica do autor, questionando alguns de seus postulados básicos, como a classificação de sua obra no Real-Naturalismo ou no Impressionismo, e desenvolve a hipótese, por ele mesmo lançada, de que ela expressa uma visão de mundo romântica.
Do ponto de vista teórico, sente-se a presença de um sólido substrato, composto por figuras como Bakhtin, Benjamin, Bourdieu, Cassirer, Eagleton, Hauser, Löwy, Lukács, Praz, Todorov, Tomachevski, Wilson, etc., sem falar nos filósofos Hegel, Kant e principalmente Schopenhauer, que estão na base de sua argumentação; mas o autor não se prende a nenhum deles especificamente, construindo, ao contrário, uma linha de reflexão própria, que coloca num primeiro plano a obra mesma de Pompéia e a tradição da literatura brasileira. Daí a presença, também tão forte, dos principais críticos e historiadores da literatura brasileira e da fortuna crítica de Raul Pompéia, que é amplamente revisitada. Mas os pontos altos do seu trabalho são os momentos de penetração no texto pompeiano, as exegeses textuais, que são marcadas por arguta sensibilidade e dose inegável de criatividade. Também de grande interesse, e na mesma esteira, são as comparações, aliás bastante adequadas, com os textos de poetas franceses, especialmente Baudelaire, cuja influência sobre Pompéia é apontada por diversos críticos brasileiros e que figura em contraponto com este em toda uma seção do trabalho, em exercício bem à maneira da Literatura Comparada. No que concerne à linguagem, é uma tese muitíssimo bem escrita, num estilo fluido e escorreito, de leitura densa, mas agradável, e que reflete, como não poderia deixar de ser, a maturidade intelectual do autor. Finalmente, a bibliografia é vasta e bem elaborada e as notas corretas e adequadas, geralmente acrescidas da tradução bem feita de textos em francês e espanhol.

Eduardo Coutinho



Resumo: O primeiro objetivo da pesquisa é o de resgatar a obra de Raul Pompéia do esquecimento a que foi condenada pela crítica e pela historiografia brasileiras, posto que a maioria dos estudos sobre ela focaliza O Ateneu, deixando de lado os demais textos. O segundo objetivo é o de fazer este resgate procurando compreendê-la em seu conjunto, ou seja, procurando determinar os valores cognitivos e éticos que orientam a criação artística do autor e que dão organicidade à mesma. Para tanto, tomamos como hipótese a idéia de que ela expressa uma visão de mundo romântica e delimitamos o corpus: seus contos, poemas em prosa – especialmente Canções sem metro – e textos teórico-críticos sobre literatura e arte. Tal escolha não significa que excluímos de nosso estudo O Ateneu e os demais romances, assim como as crônicas, mas sim que lhes demos menor atenção. No capítulo introdutório, realizamos a revisão da recepção crítica da obra de Raul Pompéia e a discussão que fundamenta nossa hipótese. No segundo capítulo, apresentamos um perfil dos seus folhetins e analisamos seus textos de teoria literária, procurando definir a sua postura com respeito à natureza e à função da literatura. Feito isso, passamos à análise dos textos de crítica literária, contos, crônicas e poemas em prosa publicados na seção Pandora da Gazeta de Notícias em 1888 com o objetivo de verificar a coerência entre a sua produção teórica, crítica e literária. No terceiro capítulo, concentramos nossa atenção em Canções sem metro com o objetivo de determinar a filosofia da história existente na obra. Como corpus auxiliar, foram utilizados a primeira e a segunda conferências do professor Cláudio em O Ateneu e a crônica-ensaio “Cavaleiros andantes”. No quarto capítulo, discutimos o tema das “ilusões perdidas” e a idéia de decadência nos contos e poemas em prosa. Para tanto, inicialmente analisamos várias alegorias presentes nos poemas em prosa, as quais são utilizadas, na seqüência, como chaves de leitura dos contos. Tal movimento analítico tem como contraponto os poemas em prosa de Charles Baudelaire, posto que inúmeros críticos apontem a “influência” do poeta francês na obra do brasileiro. No quinto capítulo, analisamos e discutimos os significados da alegoria de “O Mal de D. Quixote” existente no texto homônimo posto ser ela fundamental para a compreensão da obra de Raul Pompéia e servir como chave de leitura para inúmeros contos analisados na seqüência. Baseados na idéia de que o romantismo é uma doença, buscamos mapear as suas diversas manifestações de modo a compreendermos os motivos da variabilidade estilística e ideológica existente na sua obra. Para encerrar, discutimos os valores e os significados do riso e da ironia. Por fim, no sexto e último capítulo, procuramos equacionar todos os resultados obtidos durante o desenvolvimento do trabalho. Para tanto, discutimos a posição e o valor da obra de Raul Pompéia na historiografia literária brasileira tendo em vista principalmente a visão de mundo dominante no seu conjunto.
Marciano Lopes

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